A meia-idade como descida ao mundo subterrâneo

Connie Zweig and Steve Wolf
Romancing the Shadow
New York, The Ballantine Publishing Group, 1997
Excertos adaptados

A meia-idade como descida ao mundo subterrâneo
e ascensão dos deuses perdidos

Em tempos de trevas, os olhos começam a ver,
Encontro a minha sombra na obscuridade que se adensa…
Escura é a minha luz e mais escuro o meu desejo.
A minha alma, qual mosca de Verão desvairada,
No parapeito zumbe sem cessar. Que “eu” sou eu?
Um homem caído que tenta ultrapassar o seu medo.
A mente entra em si e Deus entra na mente,
E um é Um, livre no vento impetuoso.

Theodore Roethke

Na meia-idade, o retrato de Dorian Gray sai do armário. Com ele saem todos os demónios relegados para a sombra durante a primeira parte da nossa vida. Sentimentos proibidos de impotência e raiva; medos secretos de não sermos atraentes e de sermos rejeitados; fantasias encobertas de desejos sexuais; devaneios privados imbuídos de criatividade; perguntas não respondidas sobre o significado e o propósito das coisas. É todo um mundo de interrogações que nos assalta e nos persegue, até que nos voltamos para encarar a fera de frente.

Tal como o rosto de Dorian, também o nosso regista as marcas do tempo. Tal como o dele, o nosso conta uma história. Celebrámos um pacto para sobreviver e pagámo-lo com a moeda da alma. Na meia-idade, essa estratégia deixa de surtir efeito. Há um novo enredo à espera de ser vivido – a descida e a ressurreição da alma. Como Jung escreveu:

A nossa personalidade desenvolve-se no decurso da nossa vida e só é possível discernir quem somos através das nossas acções. Somos como o sol, que alimenta a vida da terra e faz crescer coisas estranhas, maravilhosas e perversas…No início não sabemos quem, ou o que habita em nós: que acções, que erros, que destino, que bem e mal possuímos. Só o Outono da vida pode mostrar o que a Primavera fez germinar.

Durante a jornada do herói, na Primavera da vida, saímos de casa para, através de uma demanda nobre, construirmos uma identidade, encontrarmos o amor, fundarmos uma família e adoptarmos virtudes sociais, o que nos ajudará a contribuir para o desabrochar da comunidade à nossa volta. Na meia-idade, somos convocados a ignorar a tradição, a transgredir barreiras, e a sorrir das ironias da vida. Uma jornada que críamos em plena ascensão inicia um declínio inesperado. A nossa relação com o tempo cronológico altera- se, à medida que nos movemos de agendas apertadas para a tentativa de sacralizar o tempo que nos resta. Ao enfrentarmos a nossa mortalidade, tomamos consciência de um tempo com fim, em vez da percepção de um tempo em aberto.

As pessoas que foram ao encontro do mundo na primeira parte da sua vida podem desejar retirar-se de cena na segunda metade da vida, reorientando-se para uma vida interior e reavaliando as consequências das suas escolhas. Como Jung afirma, Depois de ter derramado a sua luz sobre o mundo, o sol retira os seus raios a fim de se iluminar a si mesmo. Para alguns de nós, essa mudança implicará a adopção de uma orientação mais religiosa ou espiritual, à medida que o ego e os seus valores adoptam uma postura menos dianteira.

Para uma mulher que valoriza a profissão acima de tudo, esta transição pode implicar a valorização de um novo tipo de feminilidade, que pode incluir ser mãe pela primeira vez aos quarenta anos. Um executivo que sofra de excesso de informação pode começar a tirar férias com mais frequência. Um amante de actividades ao ar livre pode começar a meditar e descobrir a beleza interior. Alguém que seja muito racional pode experimentar a doçura da vulnerabilidade.

Por outro lado, as pessoas que anteriormente se isolaram do mundo podem desejar voltar a ele. Por exemplo, uma mãe devotada cujos filhos já são adultos pode querer tirar um curso e iniciar uma nova carreira. Alguém que previamente rejeitou as coisas mundanas, em função do seu conceito de espiritualidade, pode sentir vontade de fundar uma família. Uma pessoa que previamente renunciou à gratificação dos seus desejos para seguir um ideal social e político pode começar a descobrir uma ambição pessoal secreta.

A crise da meia-idade transforma-se no chamamento do Si Mesmo para que o indivíduo possa viver a parte não vivida da sua vida, para que possa ressuscitar os deuses que jazem adormecidos na sombra. A depressão da meia-idade torna-se no render da guarda de um deus por outro. As doenças são o padrão que as nossas sombras assumem e que aparecem no nosso corpo sob a forma de sintomas. A sabedoria da meia-idade consiste na extracção do ouro do nosso lado sombrio.

Quais foram as tarefas do nosso herói ou da nossa heroína na primeira metade da nossa vida? Que deuses ou deusas nos ajudaram nesse trajecto?